Dona Canô: Uma história de vida


Quem é Dona Canô? Claudionor Viana Telles Velloso, nascida no dia 16 de setembro de 1907 na cidade de Santo Amaro da Purificação-BA. Residente numa casa simples de arquitetura tradicional repleta de fotografias. Sinônimo de simplicidade, carisma e dotada de uma sabedoria indescritível. Os cabelos brancos denunciam a idade, mas a lucidez contradiz com os seus 102 anos. Dona Canô emana inteligência e sabedoria, nas palavras sinceras e objetivas que revelam a sua identidade. É assim que podemos definir a matriarca da família Veloso. Uma mulher guerreira nas suas atitudes e simples nos seus atos. Agraciada com a capacidade de procriar oito filhos, entre os quais Caetano Veloso e Maria Bethânia que a tornaram famosa internacionalmente. Mas, a sua fama também se deve ao fato de dona Canô ser uma pessoa sempre humilde e receptiva, as portas da sua casa em Santo Amaro estão sempre abertas à visitação.


ES: A senhora mora nesta casa há mais de 60 anos. O que esse lugar tem de especial para a senhora?
DONA CANÔ: Eu nasci em Santo Amaro. Toda a minha família é de Santo Amaro. Tanto a minha quanto a de Zeca, e as crianças todas nasceram aqui em Santo Amaro, então me habituei a viver numa cidade do interior e estou vivendo.


ES: A senhora já recebeu muitas homenagens na vida. Qual delas guarda com maior apreço?  
DONA CANÔ: Eu queria saber o porquê de tantas homenagens, se eu não sou nada, meus filhos é que cresceram e saíram para o mundo, mas eu não sou nada.


ES: Não se sente privilegiada de ser a mãe de uma família tão bonita? 
DONA CANÔ: Não. Eu acho que isso chegou para mim, mas não é privilégio meu, é de qualquer mãe que tinha que acontecer isso. Agora chegou para mim que era mais humilde, como a mãe dos outros todos. Mais humilde como a mãe de Roberto Carlos, mais humilde como a mãe de Erasmo Carlos, mais humilde como a mãe de Francisco Alves, eu só posso agradecer.


ES: Qual o segredo para se chegar aos 102 anos com tanta lucidez e beleza?  
DONA CANÔ: Não tem segredo, eu nunca disse que tinha. Nunca escondi de ninguém a minha vida. Apenas eu procurei viver em paz, recebendo as graças e aguardando o que tinha de acontecer, o que aconteceu de bom eu vi, o que aconteceu de ruim, eu vi também.


ES: Qual é o presente de aniversário que a senhora gostaria de receber?
DONA CANÔ: Presente? Velho não precisa mais de presente. Eu já falei quem quiser me dar presente, me traga sabonete, pasta de dente, lençol, toalha de banho, para que eu doe aos meus velhinhos. Desde que eu fiz 80 anos, não peço mais presente. Quando chega, eu distribuo. (Neste momento, o gato de estimação de Dona Canô, “Negão”, tentou morder uma estudante de jornalismo que acompanhava a entrevista).


DONA CANÔ: “Ô Negão, mordeu? Ô Negão, tá maluco? Tá caduco?” 


ES: No ano passado a senhora contou a mulher do Governador Jacques Wagner que o seu sonho era comemorar os seus 102 anos na igreja restaurada. A senhora vai realizar esse sonho?  DONA CANÔ: Se não morrer, vou. Eu já pedi aos meninos: “Olhem, continuem da mesma forma, missa na Purificação, e alguma coisa em casa, não quero mais que façam fora de minha casa.” É uma missa e depois um café aqui em casa. E um caruru que há muitos anos meus filhos fazem.


ES: Graças a sua religiosidade a senhora recebeu uma benção solene do Papa Bento XVI, Como foi para a senhora enquanto católica, receber isso?
DONA CANÔ: Uma coisa tão grande, que eu nem posso agradecer, porque é uma graça que eu não podia esperar. Uma mensagem do Papa para mim! Meus amigos padres se comunicaram com ele, e ele aceitou a proposta e me mandou. Eu não pedi, chegou pra mim porque Deus quis. Todo dia eu digo o que eu tenho hoje, o que eu sou hoje, eu agradeço a Deus.(Aqui, mais pessoas chegam para visitar Dona Canô, e ela mais uma vez muda o rumo da conversa).


DONA CANÔ: Agora estão dizendo que aqui é a casa dos famosos. Não dizem “A casa de Canô”, ou “A casa de Zeca”, dizem “A casa dos famosos”. Graças a Deus, me deram fama e eu não pedi.


ES: A senhora acha que ficou famosa por causa de sua humildade?
DONA CANÔ: Humilde eu sou até hoje. Quem quiser achar que a minha humildade é de propósito ache. Eu não posso fazer nada, eu sou humilde. Se eu ainda pudesse fazer alguma coisa, mas eu não posso fazer nada, dependo do meu povo que trabalha para mim. E meus filhos a Clara Maria está aí, veio passar o fim de semana com o neto. Rodrigo foi trabalhar, mas daqui a pouco ele está aí. É o que eu digo, a graça maior que eu tenho é meus filhos não esquecerem que eu existo. Eles subiram, mas não esquecem que existo. Então, isso é uma graça muito grande que Deus me deu. Acho que minha graça maior é essa ter meus filhos comigo.


ES: Mas, a senhora é uma mãe coruja com seus filhos?  
DONA CANÔ: Nunca fui coruja não. Nunca escondi o mal que fizeram, mas foram criados sem pancada, sem castigo, com liberdade, porque hoje não se pode dar liberdade a um menino, já vão errando.


ES: E quando a senhora sente saudades dos seus filhos que estão longe o que faz para matar essa saudade?
DONA CANÔ: Eles me chamam ao telefone. A maioria das vezes são eles que me chamam, porque eu não tenho o telefone de Caetano e também posso dizer que não tenho o de Bethania. Caetano deve passar aqui no dia 16, ele vai pra Feira, vai cantar em Feira de Santana.

ES: O que a senhora anda lendo atualmente? 
DONA CANÔ: Atualmente, eu leio muito pouco, to lendo os jornais que Rodrigo traz uma revista de Aparecida que eu comprei e as revistas que Rodrigo compra. Nissinha compra, eu leio. 


ES: E a senhora já leu o livro que fala da sua vida “Lembranças do saber viver”?  
DONA CANÔ: Já li não, eu quem fiz com a minha boca. Pediram pra fazer, deixei. Ainda ontem eu autografei um porque gostaram muito. Foram dois amigos que me pediram pra fazer, eu disse: “Vai ser chato eu contar a minha vida. O que é que eu vou dizer? Dizer o que eu passei, o que eu não passei.” Mas, aí contei a vida de meus filhos, a vida de Caetano, a vida de Bethania, como chegaram onde chegaram. Não custou nada fazer.


ES: E o livro de receitas?  
DONA CANÔ: O livro de receitas, quem fez foi minha filha Mabel, ela copiava as receitas e eu nem sabia, um dia ela disse: “Olha minha mãe, eu fiz um livro com as receitas da senhora.” E aí esse livro de receita ta vendendo até hoje.
(Aqui ela passa a falar sobre os gostos dos seus filhos).



"Cada um tomou sua distância e procurou fazer aquilo que gosta. Mabel gostava muito de ensinar, de dar palestras, de escrever poesias. Caetano pôs-se a cantar e Bethania, cada um tem sua família. E vivem bem. Clara mesmo, esse aqui é neto dela, esse João (apontando para um bisneto que acompanhava a entrevista)." 


ES: Dona Canô tem alguma música de Caetano ou de Bethania com a qual a senhora se identifique?
DONA CANÔ: Interpretação de Bethania, qualquer uma pra mim é bonita. Porque ela sabe interpretar muito bem. E de Caetano tem muitas que eu gosto, mas eu escolhi uma porque ele tava muito novo quando fez a música, “Força estranha”, é uma música muito forte pra um menino de 13 anos. É muito forte.


ES: Ele tinha só 13 anos?
DONA CANÔ: É. Com 12 ele já escrevia. A primeira música dele foi “Ciclo”, O professor de português fez e pediu pra ele musicar, era um poema muito bonito, Aí foi que Zeca viu que ele sabia escrever música, Era ele escrevendo, Mabel tomando, Foi quando ele chamou: "Meu pai, venha ver uma coisa, o professor da escola pediu pra musicar esse poema, eu vou tocar pro senhor ouvir. Com 12 anos, ele já apresentava no ginásio pros companheiros mais velhos do que ele. ’’


ES: E a música que fizeram pra senhora, que Daniela canta: “Dona Canô chamou...” a senhora gosta dessa música?
DONA CANÔ: A Didá aquela que toca no tambor foi ela que inventou isso. Aí logo aprenderam porque esse povo aprende tudo, (risos) Eu fui pra Feira de Santana, quando eu cheguei um retrato meu enorme, e o povo cantando Dona Canô chamou, ora, mas já se viu? Me deixe. (risos)


ES: Dona Canô nós queríamos agradecer o seu carinho e a sua simpatia.
DONA CANÔ: Simpatia sempre, nunca deixo de atender. Não olho personalidade, todos pra mim são iguais, homens, mulheres, meninos, tudo que me procura.


ES: A senhora que já foi conselheira de ACM e até do Presidente Lula, daria que conselho para nós que estamos iniciando no jornalismo? 
DONA CANÔ: É uma carreira muito boa, muito bonita. Mas um pouco pesada, porque tem coisas que você tem que escrever e tem medo. Mas, procurando fazer a coisa certa, Não procurando aumentar nem diminuir, eu tenho um bisneto que fez jornalismo, hoje tá trabalhando com Caetano. Não tem nada a ver com jornalismo. (risos) Trabalhou muitos meses na TV Bahia, mas ele dizia: “Minha 'bisa' eu não gosto desse trabalho, de ficar dentro de um escritório, eu quero uma coisa que eu possa fazer o que eu aprendi.” e Nossa Senhora ajudou Caetano precisou dele e ele ta lá. Ainda hoje ele tá em São Paulo arrumando porque Caetano vai lá. Não parem, continuem se aperfeiçoando, porque o jornalismo é muito bom pra quem tem capacidade de escrever. Se vocês gostam de escrever estudam para escrever, vai ser uma beleza. Não deixem, continuem, sejam permanentes nas aulas. Agora, procurem ler tudo o que você puder... Livros e jornais, porque muitas vezes é tudo mentira (risos).


Texto: Eliandson Santos e Suely Alves
Fotos: Maria Olívia

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