Guerras, amores e charutos em: “Uma história de novela”


No mundo, tem gente, cuja história de vida daria um livro dos bons. Capaz até de virar de best-seller. Uma dessas pessoas atende pelo nome de Rose Mary Schinke Martfeld. Mas, ela logo sorri e retruca: “Meu filho, minha vida não tem história.” Será?

A história da vida desta alemã com nome inglês de 68 anos começa ainda na década de 20 do século passado quando Johann Heinrich Schinke deixa uma Alemanha devastada pela guerra e vem trabalhar na Fábrica de Charutos Suerdieck em Maragogipe. Lá trabalhou por dez anos até conseguir retornar a Alemanha para reencontrar o grande amor que havia deixado para trás. Na Alemanha, Johann se casou e foi feliz até que no segundo parto, sua esposa veio a falecer. Ele deixou então os filhos Inger e Rolf em terras germânicas e voltou para o Brasil disposto a recomeçar a vida. Aqui conheceu a charuteira Zelinda. Os dois apaixonaram-se, casaram e tiveram três filhos Gerda, Helmuth e Rose.

A vida dos Schinke seguia em progresso até ser novamente abalada pela guerra. Em 1942, o governo brasileiro autorizou que empregados estrangeiros fossem demitidos sem direito a indenização. Johann foi demitido, teve seus bens confiscados e foi levado para Salvador. Abalada com a prisão do marido e com boatos de que ele havia sido morto, a jovem Zelinda entra em um grave estado de depressão e dá fim a própria vida. Deixando três filhos, entre eles, Rose com apenas quatorze dias de vida. Sem pai, mãe, nem outros parentes na hora do registro, a garota que devia se chamar Rose Marie acabou Rose Mary e assim ficou.

Quando Johann foi libertado estava novamente viúvo e agora sem trabalho, com dois filhos na Alemanha e três no Brasil. A família seguiu para Maracás onde viviam dezenas de alemães na mesma situação. “Foi um tempo duro. Até a comida era a prefeitura que dava” relembra Rose. Só retornaram ao recôncavo em 1948. Johann trouxe os filhos da Alemanha e reuniu a família em São Félix, onde passou a trabalhar como gerente da fábrica de charutos Dannemann. Não casou de novo. Trabalhava na fábrica e cuidava sozinho dos cinco filhos. A família morava em um sobrado da própria fábrica. Em 1955 a Dannemann veio à falência. Johann foi novamente demitido sem direito a indenização. Sem dinheiro, o último bem dos Schinke teve de ser vendido. A casa de Maragogipe onde, ainda que por pouco tempo, conseguiram ser felizes.

Em 1958, Johann que estava doente com problemas pulmonares morre a bordo de um navio retornando da Alemanha para a Bahia. O filho mais velho Rolf passa a sustentar os irmãos. A família continua morando no sobrado da Dannemann até este ser destruído por um incêndio em 1959. Rose seguiu a irmã Gerda que se casou e foi para Salvador. Formou-se em contabilidade e sempre vinha a São Félix nas férias. Numa dessas férias a jovem Rose foi ao antigo cinema de Cachoeira e chamou a atenção de um descendente de alemães que por aqui vivia Hermano Martfeld. A aproximação dos dois foi providenciada por um amigo em comum de Rolf e Hermano. “Mano era lindo, alto, forte. Atiçava todas as moças. Mas, foi só meu” salienta.

Rose e Hermano namoraram, casaram e se mudaram para Cachoeira onde decidiram investir no ramo dos charutos. Nascia a Comercial de Charutos Paraguaçu LTDA. Tiveram dois filhos e foram felizes. A fábrica prosperava até o ano de 1999 quando Hermano faleceu de aterosclerose precoce. Sozinha, Rose resolveu assumir os negócios da fábrica e descobriu que as coisas não iam nada bem. Já doente Hermano deixou de pagar impostos. A fábrica estava em sérias dificuldades financeiras e quem tinha a missão de reerguê-la era Rose que nunca havia estado a frente de um negócio. Mas, ela conseguiu. Em 2003, a Paraguaçu voltou a operar no azul. Rose então encerrou as atividades da empresa e montou uma nova fábrica batizando-a com o próprio nome Rose Mary Schinke Martfeld.

Agora Rose, prepara-se para mais um momento difícil na vida, a aposentadoria. Ela pretende vender a fábrica e mudar-se em breve para Maragogipe. Onde pretende descansar e a finalmente aproveitar a vida. Ao fim da nossa segunda conversa, quando me despedi Dona Rose confessou: “É, Até que minha vida dava um livro mesmo.” Dá sim, Dona Rose. Um livro dos bons!

Com informações do livro "Bahia de Todos os Charutos", de Hugo Carvalho
Foto: Revista Muito

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