Abraçados, os corpos
nus permaneceram ali por um longo, longo tempo. Haviam a pouco tempo
concentrado esforços e pensamentos positivos como se desejassem uma concepção,
ou como se adivinhassem que era a última vez. Ficaram ali, em eterno descanso
sob a grama verde. Do lado de fora, a rua estava vazia. Não havia sinal de
vida, nem sequer dentro das casas vizinhas, embora as janelas, como sempre,
estivessem abertas e houvesse roupas estendidas no varal. Deixaram as palavras
de lado. Experimentaram como que magicamente tudo que estava em sua volta. Suas
sensibilidades agora estavam aguçadas. Havia grama, areia e água. O sol era
forte, mas, havia também a sombra das árvores e uma brisa fresca e
intermitente. Nenhuma das poucas nuvens existentes no céu prenunciava chuva. O
cheiro da terra era tão bom que pensaram nunca tê-lo percebido e o som dos
animais, ao longe, pareciam belas canções infantis, e aquele momento durou o
suficiente para não poder ser medido pelo tempo.
Ainda extasiados,
ouviram sons de passos e vozes. Sons que aumentavam proporcionalmente, aliados
a choros, gritos, dor, lamento e desdém. Foram separados a força. A uma brutal
e desalmada força. Embora, não tivessem oferecido resistência. O sol ardia como
se lembrasse dezembro. Havia calor. Um doce e refrescante bálsamo os cobriu o
corpo e receberam roupas domingueiras, enquanto podiam ouvir o som das orações
que vinha da sala. Foram colocados um ao lado do outro com os pés voltados para
a porta da rua. Havia cheiros de vela e madeira. O dia estava quente demais e
úmido demais para aquela época do ano. Os apaixonados não podiam mais tocar, e
nem ao menos, olhar um para o outro. Talvez como forma de penitência. Estavam
agora marcados pelo profano. Renegados pelo batismo. Haviam transgredido as
leis do sagrado. Eram pessoas de pecado.
Silenciosamente, lhes negaram a claridade. Foram levados, sutilmente carregados. Ouviram sons de cavalos acompanhando o cortejo. Havia choro de retirada e lamento de despedida. A caminhada era curta. O caminho era curto. Beirinha da Praia parou para ver. Passaram a janela, a grama, o circo montado, as barracas de fruta, o açougue e a barbearia. Chegaram ao cemitério e as covas estavam cavadas distantes uma da outra para o desespero das almas onde o prazer era talvez, o único luxo. Sim, o prazer é o luxo do corpo. Mortos, já não se lembravam mais do certo, do errado, do desejo, da traição, do sexo, do flagrante, dos gritos, da bala, do sangue, da morte sob a grama. A única lembrança era a vida desperdiçada, o tempo mal vivido, a dor mal sofrida, o sonho que não causou arrependimento. A amizade que não pode ser levada para o além-túmulo e o amor que acreditavam ser eterno. Não importa em quantas vidas se ame, desde que haja amor em todas as vidas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário